#mesadeBar: NÃO QUERO SABER DE CRISTIANISMO



Por Carolina Nogueira
Carolina é jornalista, artista, mogiana
e modera a página A Barcarola


Imagine uma reunião de revolucionários. Gente cansada de ver as coisas acontecerem do mesmo jeito engessado de sempre. Gente com o coração aos gritos vivendo em um mundo calado. Pessoas que decidiram romper com o velho e mergulhar no novo, no íntimo, no vivo, no intenso. 

Se você se identificou, precisa viajar no tempo e viver a Semana da Arte Moderna, em São Paulo, em 1922. Foi nessa ocasião que Manuel Bandeira escreveu “Poética” que, tendo em vista esse contexto, soa como um desabafo. 

Neste poema que parece um hino do revolucionário, tomei a liberdade de trocar uma palavra apenas. Onde havia “Lirismo” coloquei “Cristianismo”. Afinal de contas a gente sabe que ambas trazem liberdade, mas uma é maior que outra. 

Que cristãos estamos sendo? “10h no culto, sábado, domingo às 20h e quarta às 20h” e quanto mais cedo eu pegar a condução pra casa, melhor?


POÉTICA 

Estou farto do cristianismo comedido 
Do cristianismo bem comportado 
Do cristianismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor. 
Estou farto do cristianismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. 
Abaixo os puristas. 
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais 
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção 
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis 
Estou farto do cristianismo namorador 
Político 
Raquítico 
Sifilítico 
De todo cristianismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo. 
De resto não é cristianismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc. 
Quero antes o cristianismo para os loucos 
O cristianismo para os bêbados 
O cristianismo difícil e pungente para os bêbados 
O cristianismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do cristianismo que não é libertação.

Manuel Bandeira

Severino Netto

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